Saiba se vale a pena investir em obrigações de empresas
Há cada vez mais empresas portuguesas que estão a emitir obrigações para os investidores particulares.
Depois da euforia dos portugueses pelos depósitos, uma nova moda está a invadir o mercado de investimentos em Portugal: as emissões obrigacionistas de empresas portuguesas dirigidas aos pequenos investidores.
A EDP foi a primeira a dar o ‘pontapé de saída' desta nova tendência, ao emitir em Novembro do ano passado cerca de 200 milhões de euros para os investidores particulares, acenando-lhes com um juro bruto de 6%. Depois disso, também a Semapa, a Zon e a Brisa seguiram as mesmas pisadas.
Já esta semana o Diário Económico avançou que a Portugal Telecom também irá avançar ainda este mês com uma operação semelhante. No total, as empresas portuguesas estão a captar com estas operações cerca de 1.350 milhões de euros junto dos pequenos investidores. Os especialistas contactados pelo Diário Económico dão nota positiva a estes instrumentos mas fazem alguns alertas e ressalvas.
Além das taxas de juro destas emissões serem inferiores aos juros oferecidos pelas empresas aos investidores institucionais, as taxas anunciadas são brutas. O que significa que os investidores, além de terem de descontar o efeito da fiscalidade, terão ainda de contabilizar todas comissões associadas ao investimento em obrigações.
Num ponto, todos estão de acordo: este "piscar de olho" das empresas portuguesas aos pequenos investidores não tem nada de inocente. "As empresas só estão fazer estas emissões porque não conseguem encontrar outras alternativas para se financiarem de forma mais barata. Se as empresas tivessem acesso a empréstimos bancários com taxas mais baixas provavelmente nunca iriam virar-se para os particulares", refere Filipe Silva, director de gestão de activos do Carregosa. O especialista refere que estas emissões estão a ser colocadas nos clientes de retalho a taxas mais baixas do que aquelas que estão a ser praticadas para emissões semelhantes dirigidas para investidores institucionais no mercado secundário. "Mas como os particulares não estão atentos a este mercado acabam por aceitar taxas mais baixas do que aquelas que estão a ser praticadas no mercado secundário", explica.
Este fenómeno é facilmente comprovável ao analisarmos as taxas que estão a ser praticadas actualmente no mercado. A Portugal Telecom, por exemplo, irá colocar uma emissão obrigacionista a quatro anos para particulares com uma taxa de juro anual que deverá rondar os 6,25% . No entanto, a ‘yield' oferecida para uma emissão da operadora, que vence em Fevereiro de 2016, ronda os 8,51%. O mesmo se passa com a Brisa. Na operação que a concessionária tem em curso junto dos investidores particulares, o juro oferecido é de 6,25% para um investimento a dois anos e cinco meses. No entanto, uma emissão que a Brisa tem no mercado com maturidade a Março de 2015 (dois anos e nove meses) est á a negociar no mercado secundário com uma ‘yield' superior: 7,75%. É preciso, no entanto, notar, que as taxas do mercado secundário não reflectem o custo a que as empresas venderam a dívida, e sim a avaliação do risco feita actualmente pelo mercado.
Apesar deste tratamento desigual que as empresas dão aos investidores particulares em comparação com as condições oferecidas aos investidores institucionais, Filipe Silva considera estas emissões um investimento atractivo. "Para os pequenos investidores, estas emissões são atractivas, porque dificilmente neste momento se encontra no mercado depósitos a prazo com taxas tão elevadas".
Também Carlos Almeida, da direcção de investimentos do Banco Best dá nota positiva a estas emissões . "Penso que este novo movimento é muito positivo . Por um lado é um sinal de que os investidores já começam a olhar para outro tipo de aplicações sem ser os depósitos. Por outro, é um movimento de atracção de capitais domésticos, um factor extremamente importante no contexto actual em que o País não consegue financiar-se no exterior", explica. Rui Broega, director de gestão de activos do banco Big salienta de igual forma o facto deste tipo de emissões trazer vantagens para ambas as partes. "Neste momento, as ‘yields' apresentadas são elevadas e, portanto, apelativas para os investidores mas simultaneamente também o serão para as empresas que emitem dívida, na medida em que de outra forma teriam de suportar um custo superior de financiamento e/ou no limite, nem sequer teriam hipótese de se financiar", refere este responsável.
O encontro de "várias vontades" está a levar os portugueses a aderirem cada vez mais a este tipo de aplicações. No banco Best, por exemplo, a procura por obrigações emitidas por empresas nacionais e internacionais, mais do que duplicou este ano, face aos valores registados no segundo semestre de 2011. E não é difícil encontrar justificações para o crescente apetite dos portugueses por este tipo de operações. Numa altura em que o Banco de Portugal impõe regras cada vez mais exigentes na atribuição de remuneração dos depósitos, os investidores procuram alternativas mais rentáveis para fazer crescer o seu dinheiro. "O facto das emissões de empresas portugueses dirigidas para os particulares exigirem montantes mínimos de investimento muito baixos [1.000 euros] e de terem uma componente de distribuição de juros semestral é algo que vai de encontro aos interesses dos pequenos investidores", adianta ainda Carlos Almeida. Resultado: todas as emissões obrigacionistas dirigidas ao mercado de retalho tiveram que ser alvo de rateio - uma vez que a procura tem excedido a oferta. No total, as emissões levadas a cabo pela EDP, Semapa e Zon já conseguiram atrair as poupanças de 50 mil investidores particulares.
No entanto, e apesar dos investidores estarem a ser seduzidos pelas taxas de juro atractivas é preciso não esquecer que se trata de um investimento com riscos associados. Numa situação limite, "se a empresa falir, os investidores podem perder tudo", avisa Filipe Silva. O director de gestão de activos do banco Carregosa aconselha ainda os investidores que estejam interessados em aplicar nestas emissões a terem a certeza de que não vão precisar destas poupanças antes da sua data de maturidade. "Quando as pessoas aplicam num depósito a três anos, elas sabem que se precisarem de resgatar o dinheiro antes do prazo serão penalizadas nos juros, mas o capital mantém-se intacto. No caso destas emissões não é assim". Na verdade, se os investidores optarem por resgatar antecipadamente, até poderão ter menos-valias porque o preço das obrigações pode ter descido.
Ter a noção dos reais riscos a que estão expostos é também um conselho dado por Rui Broega do BiG: "Os investidores deverão avaliar sempre o risco que incorrem para aferir se o retorno que esperam obter é compensatório, sabendo de antemão que para ‘yields' superiores maior será o risco incorrido". Para ter a noção de todas as condições que o investimento numa emissão deste tipo comporta é indispensável que os investidores leiam atentamente o prospecto da operação.
Os custos associados ao investimento em obrigações é outra das variáveis que os investidores deverão ter em conta antes de subscrever estas emissões. "Além das comissões associadas à aquisição, há ainda que contabilizar os custos relacionados com a guarda de títulos (uma comissão que é cobrada trimestralmente). Pode ainda haver comissões associadas ao processamento do pagamento dos juros e ainda os custos de reembolso", explica Carlos Almeida, do Banco Best. Na verdade, os investidores deverão ter em conta que este conjunto de comissões e a tributação fiscal sobre as mais-valias levam a que parte das taxas de juro oferecidas pelas empresas nestas emissões se "evapore". Análises anteriores elaboradas pelo Diário Económico às emissões da EDP e da Semapa revelavam que só a partir de montantes de 5.000 euros é que começava a compensar a aposta nestas obrigações. Para aplicações abaixo destes montante verificava-se que a maior parte da rendibilidade gerada acabava por ser "engolida" pelas comissões e impostos.
As mais recentes operações de empresas portuguesas
EDP -I
A empresa liderada por António Mexia foi a primeira empresa portuguesa a "piscar o olho" aos investidores particulares ao lançar em Novembro do ano passado uma emissão de 200 milhões de euros, com um prazo de três anos. A EDP oferecia nesta emissão uma taxa de juro bruta de 6%, com o pagamento dos juros a ser realizado semestralmente. Para aceder a esta emissão, os investidores tinham de subscrever no mínimo uma obrigação (com valor unitário de 1.000 euros). A operação foi bem recebida junto dos investidores com a procura a exceder em 38% a oferta.
EDP -II
O sucesso da primeira operação levou a eléctrica a repetir a experiência e, em Abril último, avançou com uma nova operação de obrigações dirigida ao mercado de retalho, no montante de 200 milhões de euros. No entanto, a empresa acabou por aumentar a oferta de emissões para um total de 250 milhões de euros. E se mais obrigações a empresa disponibilizasse, mais obrigações os portugueses comprariam, já que a procura nesta emissão superou em 26% a oferta. O juro oferecido por esta emissão a três anos continuou no mesmo patamar da anterior emissão: 6%.
Semapa
Pouco depois da empresa de António Mexia ter feito a sua primeira emissão para o mercado de retalho, a Semapa seguiu-lhe as pisadas. A empresa de Pedro Queiroz Pereira lançou em Março deste ano uma emissão de 150 milhões de euros (que entretanto foi alargada para 300 milhões de euros), com um prazo de três anos para os investidores particulares. O juro bruto oferecido foi um dos mais altos até agora registados neste segmento: 6,85%, com pagamento de juros semestrais. Também aqui o investimento mínimo era de 1.000 euros (o valor de uma obrigação). A procura dos investidores superou em 5% a oferta.
Zon
A empresa do sector de telecomunicações seguiu as pisadas das suas pares do PSI 20 e lançou no final de Maio uma emissão para particulares no valor de 200 milhões de euro, com maturidade a três anos. Os investidores que aderiram vão beneficiar de um juro anual de 6,85%. À semelhança das emissões anteriores, também aqui o montante mínimo de investimento era de uma obrigação - o equivalente a 1.000 euros. A procura foi bastante elevada, tendo superado em mais de 58% o montante em oferta. Foram 11.791 os investidores que acorreram a esta operação.
Brisa
A empresa de Vasco de Mello é a única que tem a decorrer neste momento o período de subscrição de obrigações vocacionadas para o mercado de retalho. No total, são cerca de 150 milhões de euros em obrigações que podem ser subscritas até 3 de Julho . A Brisa já admitiu que poderá aumentar o montante da operação. Trata-se de uma emissão que vence em Dezembro de 2014 e que oferece um juro bruto de 6,25%. O mínimo de investimento são 1.000 euros. Os bancos colocadores são BPI, CGD, BCP, ActivoBank, Popular e o BBVA.
Portugal Telecom
Esta semana, o Diário Económico avançou que a operadora liderada por Zeinal Bava também vai aderir às emissões obrigacionistas para particulares. A operadora prepara-se para lançar no final deste mês, ou no início do mês de Julho, uma operação deste tipo onde prevê captar pelo menos 250 milhões de euros. O juro oferecido rondará entre os 6,25% e os 6,5% e as obrigações deverão ter uma maturidade de quatro anos.
Trabalho publicado na edição de 22 de Junho de 2012 do Diário Económico